sábado, 9 de outubro de 2010

Contágio


Se a voz se esgana
e o tóxico ruído das máquinas
me perfura
         vou até ele.

Adenso-me com fervor
no mais sublime da sua biologia

Subo fontes intactas
vou fundo ao ventre das planícies
contagiar a pele e os olhos
embeber as narinas cansadas
nos odores do universo inteiro

Levo-lhe
(porque não sei mentir)
tristes notícias do meu país

- Esta terra que me possui
é uma lágrima
        bolor indigno no pão
              e falso poema -

Nele sou todo um arrepio
movimento retardado e dado
por desejo e condição vadia
beijo destilado num ventre
ou sangue escorrendo
numa bacia

Sorvo-lhe a bravura e o calafrio
o corpo do cio
o rosto no impoluto mar

Conheço-lhe a fome e a rudeza
o beijo desfiado que fecunda
as fêmeas e os animais

Corpor é que oscila e domina
penetra e inflama
músculo de Ulisses
esperança de Helena
frémito de Roma em chamas

Às vezes visito-o
para colher consciência
e reinventar a liberdade

Olhando-o louco
insubmisso
sei-o não ter por condição
palavras indecisas
pupilas mecânicas
dos homens sem paixão

Drogo-me de ele
até mais não
morro e sou mais eu
e ele todo meu em sentir
sem horas ao roçar-lhe na pele
sou um suspiro que aflora

Aí sei...
a civilização não ser
mais que pura intervenção
de regras infundadas limites e
incandescente usurpação.

in Los rumbos del viento
António Teixeira e Castro
(Portugal)

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